Chá com Letras Online: TEMPO DE FÉRIA -LEITURAS DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES III

 



LEITURAS DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES III

253.º ENCONTRO
Seleção de Maria José Areal

Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa

Este final de setembro, o mês dos meus anos, tem-me custado. Perguntas sobre perguntas acerca de mim mesmo e a angústia do sentido da vida e da forma como me relaciono com ela. O que posso fazer, o que devo fazer? Há um livro a sair agora, trabalho noutro: e depois? Que significa isso para mim? Os meus defeitos aparecem-me de forma muito clara e dolorosa. Não só os meus defeitos: as minhas insuficiências, os meus erros. Sempre imaginei que um livro resgatava tudo: não resgata. E, no entanto, continuo a escrever, como se esse acto contivesse em si a minha salvação. Sei bem que chegará um tempo em que apenas os livros hão-de contar porque eu, enquanto pessoa, não tenho importância alguma, às vezes nem para mim mesmo. Vou-me olhando de fora cada vez mais distanciada e sem indulgência. A impressão, melhor: a certeza de haver falhado. O quê? Não estou deprimido, não me sobra tempo para depressões, sou apenas um homem, diante do seu espelho interior que não gosta do que vê. O que poderia ter feito? O que deveria ter feito? Esta permanente tortura que a gente disfarça. A ideia recorrente que aquilo, quer dizer a única coisa que a vida nos dá é um certo conhecimento dela que chega tarde demais, sempre tarde demais.
(…)
António Lobo Antunes – “As Cronicas”, Se eu fosse Deus parava o sol sobre Lisboa, págs.429,430. 1.ª, edição, Publicações Dom. Quixote - 2021



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