LEITURAS DE IRENE LISBOA XVII
206.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
Helma foi para o Brasil há um ano e escreveu-me de lá duas ou três cartas. Há já muito tempo, creio que meses, que eu penso em recordá-la com um pouco de método.
- Isto que significa?
Pôr certa ordem nas minhas lembranças, evoca-las com persistência, tê-la presente de livre vontade e não só ao acaso das minhas impressões. Em suma, apreciá-la!
Helma surdiu neta terra pelo Inverno (parece-me que já cá tinha estado) e partiu assim por este tempo. Já na Avenida se exibia a feira do livro, que eu tenho pena de não ter ouvido comentar, por ele, espontânea, meticulosa e bem-educada como era.
O que da minha boca pode sair seco e de improviso, sairia da sua com uma pequena risada de benevolência. Era uma estrangeira correcta. E uma intelectual inocente e inteligente. Inocente como a D. Briolanja nos explicava no primeiro ano do liceu: que não faz mal a ninguém…
Tenho pena de não ter privado mais com Helma; aprenderia a conhecer uma intelectual genuína, espécie que eu pressenti mais elevada e desinteressada que a nossa, indígena.
Quando ouvi pela primeira vez a voz desta mulher sem a ver pareceu-me… uma voz de rapariga, fresca e de bom som. Falava com o director do meu escritório para quem trazia recomendações, num gabinete contiguo ao meu. Ele depois endossou-ma e eu fiquei surpreendida de ela ser tão velha, quase uma velha! E não era. Parecia-o à primeira vista: tinha muitos cabelos brancos e não se enfeitava.
Pretendia Helma estudar a nossa literatura começando por troca de lições.
Lia mal mas entendia perfeitamente o português e manejava de certo modo alguns dos nossos autores contemporâneos e clássicos.
(continua)
OBRAS DE IRENE LISBOA – VOL.V - esta cidade! HELMA, págs. 51/52, Editorial Presença, Lisboa - 1995
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