LEITURAS DE IRENE LISBOA XVII
207.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
Algumas vezes a vi com enternecimento. Não por pieguice minha nem por excesso de sensibilidade. Ela apiedava-me naturalmente.
No Trindade, quando uma companhia francesa aí veio apresentar as comédias de um autor único com cenários miseráveis e Lisboa chic então cheia de estrangeiros lá caiu, também Helma e eu nos encontrámos sem premeditação.
Ela estava num camarote de primeiraconvidada pela mãe da sua aluna, e eu num de segunda. Como eu a suplantava ela nunca me viu. Permitia-me isso surpreender a modéstia – modéstia verdadeiramente inquieta, das suas atitudes.
Que nobre e serena me parecia a diploma! E pobre, a pobre Helma… Nem unhas pintadas nem cabeleira tratada, nem calma, sequer. Estaria ali ou onde estaria ela? Há momentos de parecermos despojados de tudo, até da alma.
As suas malas, como já comecei a dizer deram-lhe grandes cuidados. De viagem em viagem desgarraram-se dela e por fim mil coisas que o mundo indiferente ainda lhe poderia oferecer. Ficou encantada com ideia de vir visitar uma quintarola aqui dos arredores, atravessou a Arrábida a pé, e ouvia lições na Faculdade de Letras; tudo isto constituía bagagem para o seu espírito.
E não sei como… sabedoria de intelectual!, ainda arranjava tempo para ler autores portugueses, que comentava. Era tão meticulosa na economia do seu tempo como do seu dinheiro.
OBRAS DE IRENE LISBOA – VOL.V - esta cidade! HELMA, págs. 57/58, Editorial Presença, Lisboa - 1995
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