LEITURAS DE IRENE LISBOA XIX
204.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
O elevador estava parado. Entrei eu nele e entraram outros, pouca gente. Ainda não era ou já tivesse passado a hora de saída dos funcionários e o Torel naquele momento também dava um pequeno, quase nulo contingente de passageiros.
Fazia sol e havia tranquilidade.
Como é que o diabo de um gato se havia de meter debaixo do enorme elevador, já depois do homem das máquinas ter dado o seu toque às rodas?
O gato vai morrer, pensámos nós e olhámos suponho que com vergonha uns para os outros.
O elevador devia ficar parado!, dar o alarme ao outro que ia subir!
No entanto, não parou. O guarda-freio e o condutor eram escravos da casa das máquinas que punha os elevadores em movimento; consideraram uma fatalidade o gato morrer e não tiveram uma ideia nem um gesto para o impedir. Que é que os passageiros podiam fazer? Dar um grito? Seri tremendo, e quem o ousaria?
Cobarde!, chamava-me eu sem coragem ouvido a seguir os miados terríveis, raivosos ou dilacerantes do gato. Enquanto o gato berrou, o que durou pouco mais ainda assim bastante para cada um se poder acusar de matador, havia um mal-estar disfarçado nos passageiros. Ficaram à espera.
O condutor, alto e gordo, uma cara agradável que se via todos os dias, mostrava uma compaixão discreta pelo animal: aquilo dura pouco… já tem acontecido.
E durou.
Mas a surpresa, a dor, a violência de que o pobre gato foi vítima ficaram ecoando.
IRENE LISBOA, “esta cidade!”, excerto de - O Lavra -pág. 98/99 – VOLUME V - OBRAS DE IRENE LISBOA, 1895, Organização e Prefácio de Paula Morão, 2.ª edição EDITORIAL PRESENÇA
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