Chá com Letras Online: FÉRIA NO CAMPO (continuação) -LEITURAS DE IRENE LISBOA XVIII



LEITURAS DE IRENE LISBOA XVIII

203.º ENCONTRO

Selecção de Maria José Areal




FÉRIA NO CAMPO (continuação)
… Uma coisa me atravessava muitas vezes o espírito naquelas horas de folga, e também sem ser nelas: era achar o modo de penetrar a sério a vida daquelas criaturas.
Havia quantos anos que eu já não vinha a este sítio? Muitíssimos! Mas havia ainda gente que me conhecia. Este gosto de ser reconhecida e de ouvir histórias de outros tempos, sempre com esse bocado de fantasia, depressa se esgotou. O que me restava e que, aliás, já estava no meu feitio adquirido, era o desejo de conhecer bem o que me rodeava…. Devassar, benevolamente embora, a cadeia daquelas existências. Entender-me com elas. E tactear, procurar às apalpadelas o modo de um dia as pôr a claro.
Ai, ai! Tirar do seu esconso, do seu vão de terra aquelas laboriosas e antiquíssimas misérias, afigurava-se-me empresa assaz difícil. Como me pareciam inocentes e falaciosos os esforçados romances rurais! Realmente inocentes, compostos de extraordinárias superficialidades, românticos, recreativos, de um tendenciosíssimo apertado e até bordado. E já não falo dos contos, que em duas voltas liquidam os casos mais diversos.
Irene Lisboa – FOLHAS SOLTAS DA SEARA NOVA – Excerto de “Férias no Campo”, pág. 285, Edição de Autores Portugueses, Casa da Moeda - 1983


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