LEITURAS DE IRENE LISBOA XVI
201.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
Continuação do “Amante”
Hoje lembrando-se de tudo isto, que lhe parecia pueril. Helena não se considerava uma mulher afortunada. Nem que as suas experiências, as tais experiências que se provocam ou se aceitam, tivessem jamais tido o valor de um caracol! Mas cria uma espécie de fatalidade, no bem ou no mal que a cada um sempre vem. Estava-lhe a vida a passar, ela sentia-o, e achava-se muito pobre, pobre de tudo. A lembrança daquele Verão aborrecia-a e humilhava-a. No entanto, tudo lhe parecia ter sido sempre mais ou menos assim: primeiro o desejo e depois o aborrecimento. Da parte dela é verdade que desejado sempre sem cálculo! E talvez por isso mesmo as raízes da sua ardente sensibilidade se não fixassem nunca, tentassem terrenos estéreis, do acaso…
Helena não queria sentir dó de si mesma, mas sentia-o. Dó e até falta de apreço. A manhã estava fresca, de Verão também. As árvores do bairro em que ela morava e que via da parte de cima, mexiam freneticamente as folhinhas. Soprava um vento às arremetidas. Vê-las distraídas, e pássaros piavam tão graciosamente… tudo pequenas coisas consoladoras! Helena achou que a cidade ainda era romântica.
Fim.
IRENE LISBOA, “esta cidade!”, excerto de - O amante -pág. 194 – VOLUME V - OBRAS DE IRENE LISBOA, 1895, Organização e Prefácio de Paula Morão, 2.ª edição EDITORIAL PRESENÇA
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