Chá com Letras Online: Canto-LEITURAS DE IRENE LISBOA XV



LEITURAS DE IRENE LISBOA XV
200.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal






Texto VII
Excerto do texto “O amante” – obra - ESTA CIDADE
…Mas os homens gastam e fatigam inutilmente as mulheres. E quando o amante se punha de cabeça baixa e de olhos meio fechados a culpar-se dos abomináveis sadismos e da sua grande ternura deformada? Dava-se o direito de ser sádico, como a outros daria o direito de serem bêbados ou peraltas.
Aquela vida não podia durar muito! Ele até já começava a achar que a casa dela ficava muito longe… E o mundo não continuava cheio de novidades? de mulheres engraçadas, de clubes ideológicos, de amigos políticos? Para que havia ele de fugir às suas solicitações?
As visitas contrafeitas, fatigantes, que por fim fazia à Helena, em que entrava a insegurança e até o disfarce não o compensavam de modo nenhum. Mas para ela, uma pobre rapariga, ainda fora uma bizarria do destino ter tido um amante como ele… Não era verdade?
Helena pensava o mesmo, mas com as suas variantes: tinha tido um amante… era uma pessoa de quem não podia esperar nada; ficara decepcionada, pisada a mais não, não se indignava, porém. Não tinha forças para o fazer valer nem para o prender, bem sabia!
As suas férias estavam a expirar, depois voltaria ao seu fadário: biblioteca, casa… casa, biblioteca… Sentia-se fraca ante a mínima expectativa. Esperavam-na os verbetes e um sótão de livros!
Mas as cornetas dos quarteis próximos, renitentes de manhã e à boca da noite irritavam-na. Saía e entrava e nunca se via livre da sua prisão.
IRENE LISBOA, “esta cidade!”, excerto de - O amante -pág. 193 – VOLUME V - OBRAS DE IRENE LISBOA, 1895, Organização e Prefácio de Paula Morão, 2.ª edição EDITORIAL PRESENÇA

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