Chá com Letras Online: Canto-LEITURAS DE IRENE LISBOA XII


LEITURAS DE IRENE LISBOA XII
196.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal

Texto IV
Estávamos as três a olhar o rio. Delas duas, a mais velha pinta.
Bonito quadro! – digo-lhe eu. – Tudo cor de chumbo, não vê? Pesado! E será fácil de pintar?
Eu chego a distinguir lilás, respondendo ela. Olhe ali para aquela nevoazinha entre a lua e a água.
Você acabou de pintar, retorqui-lhe eu, tem ainda nos olhos os elementos das cores…
De facto, para o meu objectivismo não podia haver mais que um tom de chumbo, um tom geral.
Mas o meu objectivismo deve deferir de um outro pintor. Devemos ver as coisas diferentemente. Nesta paisagem o que eu via era um não sei quê de dramático, que nem cor nem forma traduziriam bem. Isto é, as subtis distinções de cor e de forma quase lhe seriam indiferentes. Mas para o pintor, para o seu objectivismo, não.
Parece-me realmente interessante estas variedades da observação! Neste caso, o mesmo crepúsculo, uma impressão comum de surpresa e de gosto, e uma imediata diferença de formas de representação…
Como dar a cor? Tudo é cor, graduações de cor, diria em síntese a minha companheira. E eu: mas que mistério há hoje nisto que eu tanto conheço? Este tom de chumbo é essencialmente dramático. Não digo que seja belo, mas é estranho, curioso e integral… Dramático!
IRENE LISBOA, “SOLIDÃO”, Notas do punho de uma mulher, Volume II- pág. 94, Editorial Presença, Lisboa, 1992



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