Chá com Letras Online: Canto-LEITURAS DE IRENE LISBOA X



LEITURAS DE IRENE LISBOA X
194.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal

COISAS POUCAS III
Quero-lhes falar de professores.
Quem visita uma escola, uma classe, duas vezes ou mesmo mais, pode conservar uma impressão confusa de ordem ou desordem, de gosto ou de desgosto.
Mas, pela memória e esforço de compreensão e de divisão, há-de chegar aos três factores da vida escolar: mestra, alunos, material.
Não tratemos dos alunos nem do material, mas sim da mestra. Falando dela não excluímos de todo os alunos sobre quem a sua actividade e o seu espírito se reflectem nem propriamente o material que terá um cunho da sua preferência ou até de originalidade.
Encaremos, porém, a mestra cujo espírito irradia simpatia, a mãe de empréstimo dos alunos.
Por ter podido estabelecer alguns confrontos interessantes é que senti vontade de os espalhar…
Há uma escola e há outra escola em que os alunos têm relativa liberdade, muitas ocupações e muito material. Mas a atmosfera de ambas, notada, sentida pelo visitante, varia. A da escola mais sombria é cheia de naturalidade, familiar. A outra é contrafeita.
A professora da escola triste, da escola escura, não tem idade. Ri e entretém-se com os alunos com uma animação sincera e comunicativa. A sua voz ligeiramente aguda não se contrafaz. Os seus gestos, os seus apelos, os seus movimentos na classe não têm estudo, são sempre naturais.
Na outra escola as professoras - são duas – falam baixo com um bater de lábios acentuado, são brandas, sem alegria, são freiras…
Estou pondo em foco, quase, o carácter pessoal da professora.
No entanto pode dizer-se que a professora se habitua a formas particulares de se apresentar às crianças e de as tratar.
Estas duas professoras falam baixo com a preocupação de despertarem a atenção e de serem melhor ouvidas, por oposição às professoras que falam sempre em tom acima do normal. Têm os gestos medidos e parcos. Não têm vivacidade. É estudo, é propósito há influência de temperamento? Pelo cuidado e pela constante observância dos mesmos preceitos vê-se que é propósito. É inútil. E talvez mal empregado, indevido. Às crianças, por serem muito pequeninas, não se pode saber se aquela atmosfera pesa, mas os crescidos logo dela se apercebem. E pensam:
Estas professoras com outro génio dariam mais gosto aos alunos? Não estariam mais aproximados das mães, das pessoas de família que riem e falam em diferentes tons? E não se sentiriam melhor, mais à vontade?
Resta saber…
IRENE LISBOA, “Coisas Poucas”, pág. 64 - FOLHAS SOLTAS DA SEARA NOVA, (1929 – 1955) Antologia, Prefácio e Notas de Paula Morão, edição Biblioteca de Autores Portugueses – Abril 1986



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