LEITURAS DE IRENE LISBOA V
184.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
Já houve quem tivesse a coragem de me fazer esta pergunta. E com um ar! Indizível, gaiato, tímido ou de espanto.
Pode, respondi.
Na verdade, como é que eu havia deixar de poder? Digo antes: como furtar-me a essa fatalidade?
Vivo assim… E não é que as criaturas me desinteressem. Os seus furtivos contactos dão-me, acima de tudo, de todas as aparências, a impressão de existência, a subtil impressão de viver, como estou vivendo… e até possuo um espírito comum, sensível e crítico.
De que nos pode realmente vir esta esquisita impressão de actividade, de vibração e de existência? Das igualdades que descobrimos entre nós e outros!, das surpresas e das presenças…
Por isso viver só é triste, morto.
Na verdade, eu não tinha que estranhar aquela pergunta. Achei-a talvez um pouco inútil, estúpida ou cruel.
Apesar de tudo, há momentos na minha solidão em que me sinto ultrapassando todos os ordinários interesses, desgarrada deles e dominando-os. E isto sem correr mundo nem ver gente…
Será uma forçada sublimação da abstinência?!
OBRAS de Irene Lisboa – Volume II Solidão, págs. 20 – 4.ª edição – 1992 Editorial Presença
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