LEITURAS DE MIGUEL SOUSA TAVARES XXVIII
157.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
INVERNO
3 de Fevereiro
Não é assim tão tarde na noite e estou sentado numa esplanada na praia, bebendo um último copo junto ao monumento aos Dezoito do Forte, e nesse território de Fronteira entre a lucidez e o deixar-me ir, onde sempre, sempre, me parece ter vivido. Os restos da noite do Rio de Janeiro deslizam à minha frente e já não estou no Google Earth, onde sempre vou quando as saudades desta praia são tão forte que preciso de vê-la. Agora, estou aqui, junto à respiração real desta cidade que eu amo como se fosse minha, e, junto de mim, passam as putas, os travestis, os solitários de passagem como eu, os deserdados de vida ou simplesmente sem sono.
Queria sentir-me o 19.º do Forte de Copacabana, marchando sem medo da vida ou da morte, avenida abaixo, ao encontro do meu destino, onde quer que ele esteja.
E queria morrer assim, de bala no peito, caminhando pela calçada ardente e talvez virar monumento ou, ao menos, lamento. E ter, depois, alguém, nem que fosse puta ou travesti, que marchasse por mim e, de vez em quando, viesse depositar uma rosa, uma só rosa e branca, aos pés da estátua onde eu estaria, eternidade de pedra, a olhar em frente, para o mar de Copacabana e o morro à sua esquerda.
Miguel Sousa Tavares, NÃO SE ENCONTRA O QUE SE PROCURA – “3 de Fevereiro”, pág. 82/83, 2001, Clube do Auto
Imagem in: https://pt.wikipedia.org/.../Revolta_dos_18_do_Forte_de...
157.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
3 de Fevereiro
Não é assim tão tarde na noite e estou sentado numa esplanada na praia, bebendo um último copo junto ao monumento aos Dezoito do Forte, e nesse território de Fronteira entre a lucidez e o deixar-me ir, onde sempre, sempre, me parece ter vivido. Os restos da noite do Rio de Janeiro deslizam à minha frente e já não estou no Google Earth, onde sempre vou quando as saudades desta praia são tão forte que preciso de vê-la. Agora, estou aqui, junto à respiração real desta cidade que eu amo como se fosse minha, e, junto de mim, passam as putas, os travestis, os solitários de passagem como eu, os deserdados de vida ou simplesmente sem sono.
Queria sentir-me o 19.º do Forte de Copacabana, marchando sem medo da vida ou da morte, avenida abaixo, ao encontro do meu destino, onde quer que ele esteja.
E queria morrer assim, de bala no peito, caminhando pela calçada ardente e talvez virar monumento ou, ao menos, lamento. E ter, depois, alguém, nem que fosse puta ou travesti, que marchasse por mim e, de vez em quando, viesse depositar uma rosa, uma só rosa e branca, aos pés da estátua onde eu estaria, eternidade de pedra, a olhar em frente, para o mar de Copacabana e o morro à sua esquerda.
Miguel Sousa Tavares, NÃO SE ENCONTRA O QUE SE PROCURA – “3 de Fevereiro”, pág. 82/83, 2001, Clube do Auto
Imagem in: https://pt.wikipedia.org/.../Revolta_dos_18_do_Forte_de...
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