LEITURAS DE MIGUEL SOUSA TAVARES XIX
147.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
6 DE NOVEMBRO
Se a minha mãe fosse viva, faria hoje noventa anos. Estava a pensar nisso, vendo a lua nascer no meu terraço alentejano, escutando o som do piano do meu filho, que me chegava atrás da janela aberta, e observando as cautelas com que um coelho atravessava o jardim à luz do luar, quando me ocorreu o enredo para uma história infantil. Um coelho bravo ficava parado, petrificado, ao ouvir tocar Chopin. E quando fui deitar-me, duas horas mais tarde, toda a história estava já construída na minha cabeça: a história de uma relação de amizade absurda entre um pianista e um coelho bravo. Agora só falta escrevê-la, mas o principal esta feito. O momento em que nos aparece, como magia, uma história para escrever, o momento em que tudo se torna claro e evidente, como se esta história sempre estivesse estado ali, à espera que alguém a escrevesse, é um momento único e exaltante. Nesse momento, e só então, eu consigo ver nitidamente a resposta à pergunte que tantas vezes me fazem: “Porque escreve?” E a resposta é: “Porque houve uma história que veio ter comigo sem que eu a procurasse.” E assim vou dormir, sabendo que o meu próximo livro vai ser um livro infantil. Obrigado, mãe.
Miguel Sousa Tavares, NÃO SE ENCONTRA O QUE SE PROCURA – “Casa”, págs. 251/252, 2001, Clube do Autor
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