LEITURAS DE MIGUEL SOUSA TAVARES VII
129.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
22 de Novembro
No final da caçada, viemos almoçar, sentados sobre fardos de palha, numa espécie de cabana, no alto de um monte com imenso lago do Alqueva aos pés. O sol ia desaparecendo lentamente sobre a água espelhada da barragem, enquanto a lua nascia nas costas. Algumas nuvens recortavam-se no horizonte vermelho, anunciando ainda mais um dia de sol para amanhã. A luz nítida do céu era atravessada a espaços pela luz das chamas da fogueira que ardia no chão da terra. Era África, tanto quanto me lembro de África.
Tudo mais estava quieto: tinham-se calado as armas, os cães, os caçadores. Eu olhava, apenas, como gosto de fazer. Via a água em frente, os montes a toda a volta, algumas casas arruinadas, abandonadas de pastores ou agricultores e, ao fundo, já de luzes acesas, a Vila de Monsaraz onde vivi tantos momentos felizes da minha “primeira juventude”. Senti que nada, absolutamente nada, poderia perturbar a perfeição daqueles instantes. Gostaria que o tempo também pudesse ficar assim para sempre, como a água parada e silenciosa do Alqueva. Há alturas em que eu sei que, se nada for dito, nada se estragará.
Miguel Sousa Tavares, NÃO SE ENCONTRA O QUE SE PROCURA, “Inverno, 22 de Novembro”, págs. 75/76. 1.ª edição, 2014 - Clube de Autor S.A.
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