LEITURAS DE MIGUEL SOUSA TAVARES III
125.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
12 DE OUTUBRO
“As buganvílias trepam ao longo de toda a parede norte do pátio e começam finalmente a curva por cima dos arames que pus à altura do tecto inexistente exactamente para que elas se derramassem por aí e fossem construindo, lá em cima, uma teia vegetal através da qual o sol há-de depois fazer um jogo e luzes e sombras ao longo das paredes e no chão. Há uma lilás, uma branca e uma de um laranja finíssimo e a minha esperança é que a lilás não engula as outras, pois que é a dominante. E espero que todas resistam às manhãs de geada do Inverno que aí vem, que os pássaros que se abrigam na sua folhagem não as envenenem com excrementos, que o vento não as arranque da parede, que demasiado sol na Primavera não as queime antes do tempo. Assim, sento-me por vezes no pátio a vigiá-las, tentando ouvir o ruído imperceptível de que devem fazer ao crescer e, como não sei tratar de árvores nem de plantas, falo com elas, que é a única coisa que sei fazer. Digo-lhes que também eu estou a crescer, mas para velho, que não sei viver longe de um pátio ou de um terraço e que toda a minha vida sonhei ter um pátio coberto de buganvílias. E falo-lhes então da longa amizade e da cumplicidade que nos espera aqui, nas manhãs e tardes de Verão sombreadas por elas ou nas noites em que as estrelas romperão por entre os seus ramos e folhas, e falarão connosco, como as estrelas costumam fazer quando se está atento.
É preciso viver sempre com um projecto para a frente.”
Miguel Sousa Tavares, “Não se encontra o que se procura” - 12 de Outubro – págs. 58/59, Edição, Clube do Autor, 2014
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