LEITURAS DE JOSÉ SARAMAGO VII
88.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
AOS DEUSES SEM FIÉIS
Talvez a hora escura, a chuva lenta,
Ou esta solidão inconformada.
Talvez porque a vontade se recolha
Neste findar de tarde sem remédio.
Finjo no chão as marcas dos joelhos
E desenho o meu vulto em penitente.
Aos deuses sem fiéis invoco e rezo,
E pergunto a que venho e o que sou.
Ouvem-me calados os deuses e prudentes,
Sem um gesto de paz ou de recusa.
Entre as mãos vagarosas vão passando
A joeira do tempo irrecusável.
Um sorriso, por fim, passa furtivo
Nos seus rostos de fumo e de poeira.
Entre os lábios ressecos brilham dentes
De rilhar carne humana desgastados.
Nada mais que um sorriso retribui
O corpo ajoelhado em que não estou.
Anoitece de todo, os deuses mordem,
Com seus dentes de névoa e de bolor,
A resposta que aos lábios não chegou.
JOSE SARAMAGO – “Os poemas possíveis”, Aos deuses sem fiéis, Págs. 84/85, 11.ª edição - 2014 – Porto Editora
ONDE A SOMBRA DE TI
Onde a sombra de ti, o meu perfil
É linha de certeza. Aí são convergentes
As vagas circulares, no seu limite
O ponto vigoroso da propaganda.
Aí se reproduz a voz inicial,
A palavra solar, o laço da raiz.
Nasce de nós o tempo, e, criadores,
Pela força do perfil coincidente,
Amanhecemos deuses de mãos dadas.
JOSÉ SARAMAGO, Provavelmente alegria – poemas, “Onde a sombra de ti”, pág. 25, 9.º edição, Abril, 2019, PORTO EDITORA.
Imagem In: http://ruizilhao-retratos-caricaturas.blogspot.com/
Pode acompanhar e participar nas leituras publicadas semanalmente no grupo Comunidade de Leitores: Chá com Letras na página do facebook da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Cerveira.
88.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
AOS DEUSES SEM FIÉIS
Talvez a hora escura, a chuva lenta,
Ou esta solidão inconformada.
Talvez porque a vontade se recolha
Neste findar de tarde sem remédio.
Finjo no chão as marcas dos joelhos
E desenho o meu vulto em penitente.
Aos deuses sem fiéis invoco e rezo,
E pergunto a que venho e o que sou.
Ouvem-me calados os deuses e prudentes,
Sem um gesto de paz ou de recusa.
Entre as mãos vagarosas vão passando
A joeira do tempo irrecusável.
Um sorriso, por fim, passa furtivo
Nos seus rostos de fumo e de poeira.
Entre os lábios ressecos brilham dentes
De rilhar carne humana desgastados.
Nada mais que um sorriso retribui
O corpo ajoelhado em que não estou.
Anoitece de todo, os deuses mordem,
Com seus dentes de névoa e de bolor,
A resposta que aos lábios não chegou.
JOSE SARAMAGO – “Os poemas possíveis”, Aos deuses sem fiéis, Págs. 84/85, 11.ª edição - 2014 – Porto Editora
ONDE A SOMBRA DE TI
Onde a sombra de ti, o meu perfil
É linha de certeza. Aí são convergentes
As vagas circulares, no seu limite
O ponto vigoroso da propaganda.
Aí se reproduz a voz inicial,
A palavra solar, o laço da raiz.
Nasce de nós o tempo, e, criadores,
Pela força do perfil coincidente,
Amanhecemos deuses de mãos dadas.
JOSÉ SARAMAGO, Provavelmente alegria – poemas, “Onde a sombra de ti”, pág. 25, 9.º edição, Abril, 2019, PORTO EDITORA.
Comentários
Enviar um comentário