LEITURAS DE ROSA LOBATO DE FARIA II
76.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
BEIJO A BEIJO
E de novo a armadilha dos abraços
E de novo o enredo das delícias
O rouco da garganta, os pés
Descalços
A pele alucinada das carícias.
As preces, os segredos, as
Risadas
No altar esplendoroso das
ofertas
De novo beijo a beijo as
Madrugadas
De novo seio a seio
As descobertas
Alcandorada no teu corpo
Imenso
Teço o colar de gritos e
Silêncios
A ecoar no som doa
Precipícios
E tudo o que me dás eu te
devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
O amor total dos deuses
E dos bichos
Rosa Lobato Faria - Poemas dispersos, 2.ª Edição
De todas as palavras escolhi água
De todas as palavras escolhi água,
porque lágrima, chuva, porque mar
porque saliva, bátega, nascente
porque rio, porque sede, porque fonte.
De todas as palavras escolhi dar.
De todas as palavras escolhi flor
porque terra, papoila, cor, semente
porque rosa, recado, porque pele
porque pétala, pólen, porque vento.
De todas as palavras escolhi mel.
De todas as palavras escolhi voz
porque cantiga, riso, porque amor
porque partilha, boca, porque nós
porque segredo, água, mel e flor.
E porque poesia e porque adeus
de todas as palavras escolhi dor.
Rosa Lobato de Faria
De ti só quero o cheiro dos lilases
De ti só quero o cheiro dos lilases
e a sedução das coisas que não dizes
De ti só quero os gestos que não fazes
e a tua voz de sombras e matizes
De ti só quero o riso que não ouço
quando não digo os versos que compus
De ti só quero a veia do pescoço
vampira que já sou da tua luz
De ti só quero as rosas amarelas
que há nos teus olhos cor das ventanias
De ti só quero um sopro nas janelas
da casa abandonada dos meus dias
De ti só quero o eco do teu nome
e um gosto que não sei de mar e mel
De ti só quero o pão da minha fome
mendiga que já sou da tua pele.
Rosa Lobato de Faria, A Noite Inteira já não chega
Eu quis um violino no telhado
Eu quis um violino no telhado
e uma arara exótica no banho.
Eu quis uma toalha de brocado
e um pavão real do meu tamanho.
Eu quis todos os cheiros do pecado
e toda a santidade que não tenho.
Eu quis uma pintura aos pés da cama
infinita de azul e perspectiva.
Eu quis ouvir ouvir a história de Mira Burana
na hora da orgia prometida.
Eu quis uma opulência de sultana
e a miséria amarga da mendiga.
Eu quis um vinho feito de medronho
de veneno, de beijos, de suspiros.
Eu quis a morte de viver dum sonho
eu quis a sorte de morrer dum tiro.
Eu quis chorar por ti durante o sono
eu quis ao acordar fugir contigo.
Mas tudo o que é excessivo é muito pouco.
Por isso fiquei só, com o meu corpo.
Rosa Lobato de Faria
Palavras
É costume atirá-las sobre o medo.
Dizê-las sem pudor sobre o palco da noite
com grandes gestos gritos e lágrimas.
Com elas percorremos
os oblíquos caminhos
que a solidão conhece.
Com elas ardilosos enganamos a alma.
Mas são as outras
as claras as fugazes
as tímidas as doces
as pequenas palavras
que salvam os amantes.
Rosa Lobato de Faria
Mais sobre Rosa Lobato Faria:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rosa_Lobato_de_Faria
Pode acompanhar e participar nas leituras publicadas semanalmente no grupo Comunidade de Leitores: Chá com Letras na página do facebook da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Cerveira.
Comentários
Enviar um comentário