LEITURAS DE CAMILO CASTELO BRANCO IV
59.º ENCONTRO EM TEMPO DE PANDEMIA
Selecção de Maria José Areal
No Bom Jesus do Monte
Estas árvores são minhas amigas há vinte e sete anos.
Vim hoje aqui despedir-me delas: creio que para sempre me despeço.
Tenho que abraçar as mais diletas e confidentes: umas que já eram velhas quando em minha infância as via; outras, que eram tenras então, agora bracejam frondes de luxuriante mocidade. Eu já encaneci; e elas verdejam exuberantes de seiva. Faço trinta e oito anos, inclinado à sepultura; e elas têm três seculos que viver, trezentas primaveras para se vestirem de galas novas. Meus netos virão saborear-se em suas sombras, ó carvalheiras, ó verdes pavilhões que me cobriste nas máximas tristezas e alegrias de minha vida!
Seria engodo ao riso andar-me eu aqui abraçando árvores, se alguém me visse. Que o não saibam os tolos, nem os felizes.
(…) Quando eu lá ia, voltava sempre melhor. Nunca me aconteceu outro tanto ao dobrar a última página de livro de moral. Enquanto eu souber ler nas folhinhas das árvores, ia lá: agora que o gear da desgraça e do trigésimo oitavo inverno – consintam a impropriedade – me vai oxidando a alma, que iria fazer eu lá? Já não sei ler aqueles poemas, aqueles sublimes evangelhos, que o Senhor mandou escrever ao seu máximo apóstolo: a natureza.
Se eu tivesse filhos, havia de ir ali passar com eles três meses cada ano. De madrugada, e aos primeiros assomos da noite, iríamos ao bosque da mãe d´ Água, e ouviríamos a glória do Senhor narrada pelos céus. E mais nada.
E os meus filhos seriam bons.
Viajar com…Camilo Castelo Branco - NO BOM JESUS DO MONTE – págs.31/ 32 – MC, edições Caixotim.
Pode acompanhar e participar nas leituras publicadas semanalmente no grupo Comunidade de Leitores: Chá com Letras na página do facebook da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Cerveira.
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