Chá com Letras Online: O SONO, OS SONHOS E OUTRAS FELICIDADES-LEITURAS DE LAURINDA ALVES XXVIII



LEITURAS DE LAURINDA ALVES XXVIII

O SONO, OS SONHOS E OUTRAS FELICIDADES



239.º ENCONTRO
Seleção de Maria José Areal



O SONO, OS SONHOS E OUTRAS FELICIDADES
O sono e os sonhos são temas recorrentes de conversas entre quem se conhece, mas também entre quem se desconhece. É curioso ver como um e outros prendem a atenção das pessoas em lugares públicos. Nas filas para chegar aos guichés das repartições, nas salas de espera de consultórios e no metro ouço fragmentos de conversas sobre o sono e os sonhos.
Fascina-me a matéria, mas ainda mais a facilidade com que se estabelece um diálogo a partir destas duas palavrinhas mágicas. Prefiro os sonhos, mas raramente encontro quem os saiba decifrar, e por isso acabo por me deter mais no sono – ou nas insónias, que é um subtema que acaba sempre por minar as conversas e desvalorizar o tema principal.
Antigamente as pessoas falavam com naturalidade do estado do tempo, e amplitude meteorológica parecia ser assunto que mais as apaixonava nas conversas de ocasião. Agora não. Os sonhos e a tal decifração cósmica vão muito à frente. Ainda bem: prefiro explorar a substância desta subexistência do que divagar sobre o nevoeiro da manhã e a chuva da tarde.
A propósito desta sucessão extraordinária de conversa a que tenho assistido sobre estas e ouras felicidades, deixo aqui os pensamentos de Adriano sobre o mistério específico do sonho. Já que não posso entender todos os sonhos da humanidade, gosto de aceder aos pensamentos dos homens. De alguns homens.
“O que me interessa é o inevitável mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, sozinho e desarmado, num oceano onde tudo muda: as cores, as densidades: o próprio ritmo da respiração, e onde encontramos os mortos. O que nos tranquiliza no sonho é que se sai dele, e que se sai dele sem qualquer mudança, pois uma extravagante interdição nos impede de trazer connosco o resíduo exacto dos nossos sonhos. O que nos tranquiliza também é que ele cura a fadiga, mas cura-nos temporariamente, pelo mais radical dos processos, arranjando as coisas de maneira que deixamos de existir.”
Memórias de Adriano, de Margarite Yourcenar
LAURINDA ALVES, Coisas da Vida – Histórias de Pessoas com luz, Grupo 3 - A RELIGIÃO DO AMOR – “O sono, os sonhos e outras felicidades”, págs. 137 / 138, 1.ª Ed, 2009, Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda.



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