LEITURAS DE MIGUEL SOUSA TAVARES XX
148.º ENCONTRO
Selecção de Maria José Areal
1 DE JANEIRO
E cumpri, contra ventos e marés, a tradição do jantar de Ano Novo para os amigos. Três dias inteiros de canseira, às compras e na cozinha, para poder receber em festa uma mesa de vinte e quatro amigos, alguns dos quais vindos do fim do mundo. Foi a pensar nisto que eu fiz esta sala de jantar com uma mesa para vinte e quatro, que fiz esta casa, que fiz estes amigos. Já não peço muito a ninguém, mas isto peço: o prazer de receber os meus amigos do peito no último dia de cada ano.
Os que ficámos da festa de ontem acendemos um fogo africano no terraço coberto sobre a planície e passámos toda a tarde e parte da noite a ver a chuva cair lá fora.
A chuva do campo não é como a chuva da cidade, esta suja, a outra limpa. E, assim, o ano começa triste, mas lavado. Acredito nisto: tudo o que é essencial permanece intacto; o que era falso ou ilusório acaba por perder-se no grande cemitério de inutilidades da vida.
Miguel Sousa Tavares, NÃO SE ENCONTRA O QUE SE PROCURA – “1 de Janeiro”, pág. 79, 2001, Clube do Autor
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