LEITURAS DE TORGA XVI
16.º Encontro com Miguel Torga nos seus Diários.
É em S. Martinho de Anta, sua terra natal, onde o encontramos profundamente ligado à terra, aos seus e a si.
Vejamos:
“Cá estou eu mais uma vez”; “Chego, e adeus solidão”; “Marquei no jardim um sítio onde gostava de ser enterrado”; “Cerejas!”
Que seja um ENCONTRO!
Texto e selecção de Maria José Areal
DIÁRIO XIV:
S. Martinho se Anta, 2 de Julho de 1982 – Chego, e adeus solidão. Fico logo acompanhado por todos os meus penates. Presenças virtuais mas agentes, estimulam-me o entendimento, pacificam-me o coração, corrigem-me a pauta dos versos. Ninguém como eu continua a padecer no mundo mais amparado. Até quando cavo no quintal, e começo a abafar, sinto que as suas mãos invisíveis seguram também o cabo do enxadão.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 12, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Martinho de Anta, 3 de Julho de 1982 – Marquei no jardim um sítio onde gostava de ser enterrado.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 12, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Martinho de Anta, 4 de Julho de 1982 – Cerejas. Como um cachopo, lá andei a elas, alodial, no alto da cerdeira, apesar da perna insegura. Não desisto de ser criança. E é o que me vale. Enquanto o sou, esqueço todas as máscaras adultas que me vi forçado a usar pela vida fora. E foram muitas e trágicas.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 13, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Martinho de Anta, 23 de Dezembro de 1982 – Cá estou mais uma vez cingido à minha natureza profunda. Vestido como qualquer camponês e a sentir-me bem dentro desta pele terrosa, cavo o quintal, arranco silvas, podo roseiras, racho lenha. E converso com gente do meu agro que me vem visitar ou consultar, gente que nunca me leu, nem faz ideia do que é ser poeta, que fala trivialidades e quer ouvir respostas triviais. Alimento com todo o meu ser essas conversas intermináveis, feitas de tudo e de nada, e quando elas acabam retomo a enxada de boa consciência, na paz de quem compreendeu e foi compreendido. Sabe bem compartilhar da condição comum. Lá em baixo sou uma ficção entre ficções; aqui sou uma criatura entre criaturas.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 31, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
Coimbra, 20 de Março de 1984
ASSENTO
O nómada inconfesso
De regresso
Ao lar.
Todo o bom-senso a recomeçar,
Todas as horas habituais,
Todos os sentimentos naturais,
Todos os sonhos pertinentes.
E cada vez mais presentes
Na imaginação
Os insólitos modos e feições
Das míticas nações
Por onde se aquietou a inquietação
Liberta e clandestina,
Cansada de felizes emoções
Da rotina.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 91, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Marinho de Anta, 18 de Setembro de 1984
EPITÁFIO
Na terra dos meus versos,
Onde estão sepultados,
Sejam nesta memória memorados
Meus pais e meus avós
Pela voz
Que me deram
Para cantar
Os sonhos que tiveram
Todos os que viveram
Sem saber que viviam de os sonhar.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 118 - 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
Fotografia in: http://www.espacomigueltorga.pt/p70-miguel-torga-vida-e-obra-pt
Pode acompanhar e participar nas leituras publicadas semanalmente no grupo Comunidade de Leitores: Chá com Letras na página do facebook da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Cerveira.
16.º Encontro com Miguel Torga nos seus Diários.
É em S. Martinho de Anta, sua terra natal, onde o encontramos profundamente ligado à terra, aos seus e a si.
Vejamos:
“Cá estou eu mais uma vez”; “Chego, e adeus solidão”; “Marquei no jardim um sítio onde gostava de ser enterrado”; “Cerejas!”
Que seja um ENCONTRO!
Texto e selecção de Maria José Areal
DIÁRIO XIV:
S. Martinho se Anta, 2 de Julho de 1982 – Chego, e adeus solidão. Fico logo acompanhado por todos os meus penates. Presenças virtuais mas agentes, estimulam-me o entendimento, pacificam-me o coração, corrigem-me a pauta dos versos. Ninguém como eu continua a padecer no mundo mais amparado. Até quando cavo no quintal, e começo a abafar, sinto que as suas mãos invisíveis seguram também o cabo do enxadão.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 12, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Martinho de Anta, 3 de Julho de 1982 – Marquei no jardim um sítio onde gostava de ser enterrado.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 12, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Martinho de Anta, 4 de Julho de 1982 – Cerejas. Como um cachopo, lá andei a elas, alodial, no alto da cerdeira, apesar da perna insegura. Não desisto de ser criança. E é o que me vale. Enquanto o sou, esqueço todas as máscaras adultas que me vi forçado a usar pela vida fora. E foram muitas e trágicas.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 13, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Martinho de Anta, 23 de Dezembro de 1982 – Cá estou mais uma vez cingido à minha natureza profunda. Vestido como qualquer camponês e a sentir-me bem dentro desta pele terrosa, cavo o quintal, arranco silvas, podo roseiras, racho lenha. E converso com gente do meu agro que me vem visitar ou consultar, gente que nunca me leu, nem faz ideia do que é ser poeta, que fala trivialidades e quer ouvir respostas triviais. Alimento com todo o meu ser essas conversas intermináveis, feitas de tudo e de nada, e quando elas acabam retomo a enxada de boa consciência, na paz de quem compreendeu e foi compreendido. Sabe bem compartilhar da condição comum. Lá em baixo sou uma ficção entre ficções; aqui sou uma criatura entre criaturas.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 31, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
Coimbra, 20 de Março de 1984
ASSENTO
O nómada inconfesso
De regresso
Ao lar.
Todo o bom-senso a recomeçar,
Todas as horas habituais,
Todos os sentimentos naturais,
Todos os sonhos pertinentes.
E cada vez mais presentes
Na imaginação
Os insólitos modos e feições
Das míticas nações
Por onde se aquietou a inquietação
Liberta e clandestina,
Cansada de felizes emoções
Da rotina.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 91, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
S. Marinho de Anta, 18 de Setembro de 1984
EPITÁFIO
Na terra dos meus versos,
Onde estão sepultados,
Sejam nesta memória memorados
Meus pais e meus avós
Pela voz
Que me deram
Para cantar
Os sonhos que tiveram
Todos os que viveram
Sem saber que viviam de os sonhar.
Miguel Torga – Diário XIV, pág. 118 - 1.ª Edição Revista, Coimbra/1987
Fotografia in: http://www.espacomigueltorga.pt/p70-miguel-torga-vida-e-obra-pt
Pode acompanhar e participar nas leituras publicadas semanalmente no grupo Comunidade de Leitores: Chá com Letras na página do facebook da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Cerveira.
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