Chá com Letras Online: LEITURAS DE TORGA X

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10.º Encontro com Miguel Torga 
Mais uma semana passada mais um Encontro acontecido. Sendo este o 10.º Encontro, valia uma celebração. Assim sendo, vamos. CELEBREMOS!
Estamos no seu Diário VIII, aquele que valeu a Miguel Torga um enorme desassossego e tamanha consternação. Fora retirado do mercado, apreendido pela PIDE, depois de ter sido censurado.

Assim vos transcrevo (tenho a sorte de possuir um exemplar): 
“Em Lisboa a polícia apreendeu em todas as livrarias todos os exemplares do último livro de Miguel Torga, “Tomo oito do seu Diário” publicado há dias. Supõe-se que o motivo de tal atitude são as apreciações dadas pelo autor sobre alguns episódios da vida política portuguesa. Miguel Torga é um dos mais brilhantes escritores portugueses contemporâneos e a sociedade dos homens de letras portuguesas apresentou a candidatura do escritor a Prémio Nobel de Literatura Portuguesa”
Fonte: Escuta pela Rádio Costeira ao noticiário da “Rádio Brazaville”, na sua emissão em língua portuguesa.
Texto e selecção de Maria José Areal

Sim, a gente se se visse como nos vêem os outros, não se reconhecia. Mas isto é verdade também para os outros… 
Miguel Torga 

DIÁRIO VIII:
Miramar, 16 de Setembro de 1958.
LAMENTO
Ah, cavalo sem freio a galopar
No prado que só vês quando tens fome!
Ah, pássaro sem nome
Que passeias no céu
E não sentes tonturas sobre o abismo!
Bicho também,
Porque não sei correr,
Voar,
Pisar o pasto
E desprezar do alto a sepultura?
Pus em mim o cabresto que me prende,
Cortei as asas da libertação,
E rente à perdição
De cada hora,
Devoro o próprio chão que me devora.
Miguel Torga – Diário VIII, pág. 156, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1959

Coimbra, 16 de Outro de 1958
FLOR PRESERVADA
Colho, maravilhado,
A flor do teu sorriso;
E tudo à minha volta
Se transfigura:
O céu é um mar azul onde navegam aves;
E as montanhas, suaves
Ondulações
Do grande berço maternal do mundo.
Perturbado,
Confundo
As sensações;
E apenas sei que a vara de condão
É o sol de pétalas que me aquece a mão.
Filha:
Os poetas são loucos.
E poucos
Acreditam
Que a loucura
É o dom do eterno em cada criatura.
Mas neste testemunho comovido,
Neste poema erguido
Sobre a campa das horas
Como um facho de luz inconformada,
Terás, intacta, pela vida fora
A rosa da inocência que és agora.
Miguel Torga – Diário VIII, pág. 166/167, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1959

Coimbra, 5 de Janeiro de 1959 – Cartas e mais cartas. Uma espécie de burocracia literário-sentimental, que apenas serve para me roubar as horas extraprofissionais do dia. Mas um homem já é tão anti-social nesta pátria que, se fecha a porta aos raros interlocutores que o procuram, mais lhe vale morrer de vez. Eu vou respondendo a quem chama por mim. Meia frase, um comentário apressado, e às vezes uma suculenta epístola muito a sério. Nada que se aproveite, evidentemente, apesar da aplicação. Meras pontes de palavras entre duas margens de terra que o rio da vida separa, o que importa é que passem por ela alguns sentimentos elementares. O que se diz, pouca ou nenhuma importância tem; mas o dizê-lo é um começo de fraternidade e de esperança.
Miguel Torga – Diário VIII, pág.179/180, 1.ª Edição Revista, Coimbra/1959

 Abaixo-assinado contra a apreensão do vol. VIII do Diário, de Miguel Torga

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Pode acompanhar e participar nas leituras publicadas semanalmente no grupo Comunidade de Leitores: Chá com Letras na página do facebook da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Cerveira.

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